Saúde no Québec – Capitulo 1: A saga

Faz tempo que estou querendo escrever sobre nossas experiências com o sistema de saúde Quebecois. Mas evitei de fazer antes pois queria evitar contar uma história ainda sem desfecho ou de ter uma opinião parcial sobre o assunto.
Tivemos ume experiência, mas só agora que ela tem começo, meio e fim vou compartilhá-la.
Só que vai ficar grande, então vou tentar dividir em capítulos.

Isto posto, vamos dizer que o post que fiz em novembro foi apenas o prefácio.

Em dezembro de 2008, após o Natal fomos mais uma vez patinar. Naquela época ainda não arriscávamos patinação a céu abérto. Uma bela noite, eu ainda como aprendiz nível intermediário 1, ‘tava até andando bonitinho há umas duas horas, quando um troglodita filho de uma mãe de baixa reputação, andando na contramão (na patinoire tem que obedecer todo mundo um mesmo sentido) e achando que aquilo ali era Holiday on Ice, trombou comigo e me derrubou. Na queda, apoiei o braço e… trinquei o pulso direito (calcule que sou destra). Na hora, apesar da dor imensa, achei que fosse só uma luxação ou coisa do gênero, pois eu conseguia mexer os dedos (sempre ouvi falar que quando se quebra o braço não consegue mexer os dedos, descobri na prática que não é verdade, rsrs).
Dia seguinte, como nada do braço melhorar, fui a clínica aqui do lado de casa, a mesma de novembro. Estava lotada. No dia anterior tinha tido uma chuva verglas e muita gente (mas muuuuuuita gente) tinha se acidentado também. Achei ironico aquilo, eu nunca cai em verglas ou neve (e olha que já andei mais de um quilometro sobre eles), cai várias vezes sozinha na patinoire sem sofrer um arranhão, mas por causa daquele filho de uma mãe de má reputação, eu estava lá tomando canseira.
Depois de 5 horas de espera (isso mesmo, 5 horas), o médico me chamou: 30 segundos de consulta. Fazer raio X na sala ao lado e voltar. Mais uma hora para voltar à sala e ele ver o raio X. Detectou a fratura. Era um sábado, lá só era clínica de emergência. Eles não engessam na clínica de emergência. Eu teria que passar com um ortopedista antes e esse médico que me atendeu era generalista. Então, o que ele ia fazer era um imobilização temporária e mandar a cópia do meu dossier para um hospital recomendando meu encaminhamento ao ortopedista que faria o engessamento. Segundo ele, o hospital me ligaria na segunda-feira para marcar com o ortopedista, pois os especialistas só trabalham durante a semana. OK, fazer o que? A vida é assim, se não quiser sofrer muito, tem que escolher o dia certo para se acidentar ué!
Fui para a sala onde seria feita a imobilização. Lá, descobri que a assistente que faria a imobilização nunca havia feito aquilo. O médico pegou um livro e mostrou para ela como ele queria que ela fizesse. Ele mesmo pareceu que só tinha visto aquilo em livros, na facu, a trocentos anos atrás. Senti um nó na garganta (e um pââânico imenso) neste momento… pensei: tô na roça…Mas logo vi que também poderia ser pior: ao meu lado, uma velhinha de uns 80 anos, que tinha caido na rua, tinha quebrado uma costela e estava sendo também temporariamente imobilizada 😦   
Ela também teria que esperar a semana para passar com o ortopedista. Naquele momento, me bateu um sentimento de decepção forte, pois aquela não era a imagem que eu tinha de uma país que tratava dignamente seus velhos não…
Bom, a tal imobilização temporária foi feita, que na verdade não imobilizava necas de pitibiriba (nada).
Segunda-feira fui ao trabalho com aquele trem no braço e expliquei a diretora o que havia acontecido.
Eu não queria me ausentar do trabalho. Não gosto de colecionar atestados no meu dossier. Sei que é um direito, mas eles atrapalham bastante quando queremos uma promoção, um aumento, um bônus, ou simplesmente se manter empregados em tempos de crise. Felizmente dezembro e janeiro são meses de pouco movimento, então ela distribuiu parte de minhas tarefas entre outros colegas e eu fiquei fazendo coisas que dava para fazer com um bracinho só (como catar milho no computador por exemplo, rsrs). E fiquei esperando o tal telefonema do hospital  Cité de la Santé de Laval. Quando ligaram, anunciaram que a consulta com o ortopedista seria dia 5/01/2009. Ou seja, seria 10 ( eu disse 10!!) dias após quebrar o braço. Fiquei revoltada!! Eu só teria direito a ver um ortopedista depois que eles terminassem os festejos de final de ano, né, lógico. Outro nó na garganta. Aceitei a consulta dia 5, mas decidi que saindo do trabalho eu ia fazer alguma coisa, não sou de aceitar “qualquer coisa” como se eu fosse uma “coisa qualquer”. Dá licença mas eu vou à luta. Saí do trabalho e fui procurar um hospital em Montréal para passar numa emergência.
Fui ao Sacre Coeur, que fica na região Noroeste de Montréal. Cheguei lá as 17:30. O hospital é imenso. Dez minutos após pegar a senha, fui chamada em uma das 3 salas de triagem. Cada sala é uma baita sala, e uma enfermeira muito gentil perguntou o que tinha acontecido e fez a anamnese padrão. Viu que minha imobilização era realmente uma piada e achou uma piada ainda de pior gosto a Cité de la Santé só agendar ortopedista para o dia 5… 
Me explicou que os pacientes são atendidos de acordo com o nível de prioridade que vai de 1 a 5, que é mais ou menos assim:
1- o cara acidentado ou baleado (ou similar), que chega de ambulância, sangue para todo lado e que se não ver o doutor agora ele morre (palavras dela!)
2- o cara que tá sofrendo um infarto, que pode ser atendido imediatamente por socorristas e logo em seguida o médico (palavras dela!)
3- os fraturados – EEEEEU!
4- os com febre, tosse, desmaios…
5- os demais e os hipocondríacos que não tem nada sério, mesmo assim vão para a emergência.
Eu tinha uma notícia boa e outra ruim:  A boa era que eu estava na frente de um monte de nivel 4. A ruim era que devido as festas e ao verglas, tinha um monte de nível 3 que tinha chegado antes de mim, fora os níveis 1 que resolvem beber e dirigir nos feriados…tsc,tsc,tsc…Então, que se eu quisesse ficar esperando (quissesse não era a palavra mais apropriada, mas enfim…) , passaria umas boas horas fazendo companhia a eles, mas que eu sairia de lá com o meu braço bem engessado (senti ali uma alfinetada nos colegas lavalloises). Depois de ver TV de montão, fui chamada pelo médico generalista (clínico geral) as 23:30. Também fez radiografias (as de Laval que eu levei ele achou insuficientes), ele constatou a fratura e mandou imobilizar o braço, desta vez com gesso de verdade e bem firme. E marcou uma consulta com um colega dele, ortopedista, em pleno 31/12.
Dia 31 fui lá na hora marcada. Mais raio X, conversa com médica residente depois avaliação do médico responsável. Mandou fazer imobilizacao e retornar em 30 dias. Essa imobilização ficou estranha no dia (tive a impressão que a enfermeira não fez direito) e acabou ficando frouxa em dois dias. Aproveitei então a consulta que estava marcada em Laval (Aqueeela do dia 5…) Laval para ver se aquele afrouxamento era normal, como não era, uma nova foi feita.

Recapitulando as datas e tempos até esse ponto da estória:
26/12 à noite: queda
27/12 dia todo = consulta na clínica de urgência e imobilizaçao de araque
29/12 a tarde = Hospital de Laval me liga para marcar consulta com ortopedista dia 05/01
29/12 a noite = Hospital Sacre Coeur me atende depois de 6 horas de espera, imobiliza meu braço e marca rendez-vous com ortopedista
31/12 de manha = Ortopedista do Sacre Coeur me atende, faz nova radiografia e nova imobilização.
05/01 = Fiz nova imobilização no hospital de Laval

Minha opinião até este ponto: 
1) a infra-estrutura dos hospitais públicos daqui é incrível, tudo moderno, tudo novo, tudo do melhor, parece o seriado ER. O problema, é que tem poucos médicos para atender, então não tem nada a ver com o que se vê no ER (talvez só para os pacientes de nível 1). Embora o governo esteja “importando” um monte de médicos de outros países, estes não conseguem trabalhar aqui sem percorrer um longo e oneroso caminho. Ouço falar que muitos acabam mudando para outras provícias, onde diz-se, ser mais fácil. Diz-se que o problema no Québec é por causa da Ordem.

A essa altura eu já tinha virado  fã do ortopedista que me atendeu por um simples mas marcante fato: em pleno 31/12, ele também poderia estar festejando em Miami (quebecois com  dinheiro vai tudo pra Miami também, rsrs) com a família dele como muitos de seus colegas estavam fazendo, mas ele estava lá no hospital dando plantão. Ele foi herói para mim e para um monte de gente estrupiada que estava lá e eu tenho certeza que não era por dinheiro que ele estava atendendo.
2) As famosas clínicas sans rendez-vous são boas apenas para casos mais basiquinhos, dorzinha de barriguinha, receitinha de remédio que  já se usa, etc…Descobri com o tempo, que o tal zona é muito comum por aqui, ainda não descobri o porquê.

Cenas dos próximos capítulos no próximos posts.

Abraços
Lapin-Mère
24/05/2009

posts relacionados:
https://leslapins.wordpress.com/2009/05/25/saude-no-quebec-capitulo-2-orto-a-ponte-para-o-gineco-heim/

12 comentários sobre “Saúde no Québec – Capitulo 1: A saga

  1. Pois é, a falta de médico é um grande problema e dependendo do hospital fica pior, eu acho um absurdo um país tão rico sofrer com falta de médicos, e o que é pior ainda os médicos que imigram e querem trabalhar tem que sofrer pra conseguir a licença, a ordem é uma máfia que só premite a entrada daqueles que eles querem (muitas vezes), acredito que médico é médico em quanquer lugar do mundo, já que o corpo humano é igual no Brasil, no Canada ou no Japão, acho tb que eles tem que ser avaliados antes de serem licenciados, mas precisa ser tão difícil?!
    Eu NUNCA vou em clínica no Canada a não ser que já seja paciente e pra casos pequenos, só vou em emergência, pode demorar uma eternidade mas você sai de lá tratado… Em Montreal eu só usava o Jewish Hospital em Côte-des-Neiges, acho um pouco distante de vocês ma o hospital é ótimo!

    1. hahahahahaha
      meu…..sempre rio muito com seus posts!
      rs
      mas fiquei com pena do seu bracinho…e no final? ele(o bracinho) voltou à vida normalmente?
      Já vi que a tal patinação no gelo é para os fortes…..rs

  2. “Habla sério”…. tudo isso pra um braço engessado…. e adorei o lance do ER hahahaha… até imaginei… meu…. tenho certeza que se eles “pegassem mais leve” com as exigências ia ter um monte de médico cubano indo praí….

    Taty

  3. É minha amiga..só quem precisou e nao teve sabe o que sentimos nessas horas..mas siga a dica do Hospital Jewish…foi o mesmo indicado pelo médico que Marcelo foi em uma daquelas clinicas que vc sabe..o negócio aquí são as ordens mesmo…em todas as áreas infelizmente.
    O ”segredinho” é a união,a velha receita do açúcar ..”a união faz a força”,rsrs… vamos em frente que atrás vem muita gente amiga!
    Não somos qq um pra receber qq coisa meRmo!!!!

  4. Mais um post falando sobre a questão da saúde… isso é chato né?
    Mas olha, ainda assim acho que vale a pena depender do sistema de saúde daí do que daqui viu!… é dose!!

    []s!

    E melhoras!

  5. Oi Erika,
    Nos tbém ja sentimos na pele o sistema de saude daqui! E a tabelinha de 0 a 5 da emergência acho que pode ser um pouco piorada, pois o meu filho chegou a emergência com a testa “aberta” e foi classificado como nivel 4 – afinal não tinha perigo de morrer né?! Depois de basicas 12 horas de espera e de quase fraturar a cara da residente que não achava necessario mais suturar a testa do menino pq o processo de cicatrização ja tinha começado 😦 fomos atendidos. Apos reclamar o responsavel pela urgência nos ligou se justificando e dizendo que o problema é do governo, ou seja, os medicos daqui se formam e vão a outras provincias que pagam mais; é o governo que contrata novos medicos e não os hospitais; o hospital pede novos medicos mas somente vão receber se a vaga em Kuujjuak for completada (facil, né); residentes e alunos não podem trabalhar aos fins de semana e feriados e assim vai…
    Sei que algumas pessoas vão dizer que a saude publica no nosso pais é muito pior mas se todo mundo ficar no: Ah, é assim mesmo!As coisas so vão piorar né?!
    Bjinho a vcs. Se vc ainda tiver dor no braço me fale que eu posso te dar umas dicas (sou fisio :)).

  6. olah tudo joia?

    soomente uma pergunta basica, vamos no que tudo comecou? poderia processar ou ter feito algum tipo de notificacao por escrito sobre o tal filho …. que ti derrubou?

    o tal fillho…… tava mais que 100% errado. Na escada rolante se bloqueamos o lado esquerdo , podemos ser multados e neste caso , o filho…..saiu impune?

    valeu,
    alok

  7. Ola voces sabem se existem, quanto custa e como funciona os planos de saude em em quebec?

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